Os relacionamentos são sempre um tema que capta nossa atenção, não fossem eles tão importantes para uma vida plena e feliz.
Neste contexto, onde abundam as teorias e se multiplicam os falhanços práticos, frequentemente tenho ouvido que para que funcionem é fundamental aprender a fazer cedências.
Bem, não sei convosco, mas eu não podia estar mais em desacordo.
Explico porquê.
Estou em crer, se a memória não me atraiçoa, que era um tal de Aristóteles que falava dos conceitos de potência e acto. – De qualquer forma, se estiver a cometer alguma blasfémia filosófica, acredito que alguém terá a generosidade de me corrigir.-
Mas o que é que isso tem a ver com a questão dos relacionamento e das cedências?
Em primeiro lugar, importa esclarecer os conceitos. Considera-se acto a realização plena de algo que reside na virtualidade, ou seja, algo que está em potência. Assim como o fruto está em potência na semente.
No caso do ser humano, diz-se que na essência da singularidade que cada um é está a potência, logo na realização plena dessa potência está o acto. Então, quando formos em acto, a nossa essência, teremos realizado plenamente toda potencialidade contida em nós, assim como um fruto é a realização máxima que uma semente pode esperar.
Reforçando e continuando a analogia, podemos concluir que somos uma semente que vai crescendo, transformando-se numa plantinha com o objectivo último de um dia sofrer a última das metamorfoses e ser um belo e reluzente fruto. Na nossa essência estará, então, um ser completo, maduro e único.
Mas como lá chegar? Essa tem sido a grande questão. Como voltar à unidade? E, principalmente naquilo que é mais palpável, como nosso dia a dia, como encontrar o equilíbrio que subjaz essa unidade?
Pois bem, não discuto que os caminhos são muitos, mas vejo os relacionamentos como um meio privilegiado de progressão, crescimento e aprendizagem. E, pensem lá, não será à toa, que todos somos impelidos a relacionarmo-nos. Tem de ser porque é mais favorável aquilo que nos traz por cá todos: crescimento.
Na verdade, sabemos já que as relações nos proporcionam a possibilidade de, pelo espelho que o outro é de nós mesmos, melhorar, aprimorar, direcionar a nossa própria evolução.
Mas onde é que fica a questão das cedências?
Fazê-las ou não fazê-las em prole da saúde do relacionamento?
Considerando que cedências são dissociações entre nosso comportamento e nossa verdade interior, ou, dito de outra forma, é sentirmos uma coisa e fazer outra, pela expectativa de determinado resultado, parece me que fazê-las apenas atrasa um processo que, ao contrário, pela expressão da verdade de cada um, se torna muito mais rápido e eficaz. Isso porque as cedências têm sempre um prazo e principalmente um preço, que mais dia menos dia vai ser cobrado.
Posso comparar as cedências ao exercício de reter a respiração. Todos conseguimos fazê-lo, mas chegará um momento em que teremos de retomar a respiração, normalmente, numa inalação profunda e, no imediato, descoordenada, sob pena de nos auto-aniquilarmos. Constata-se assim que cada vez que isso acontece perdemos nosso equilíbrio. Naturalmente, que quanto mais for prolongado esse tempo sem respirar, maior será o desequilíbrio na recuperação do fôlego.
Entendam que esta não é uma analogia aleatória, pois o acto de respirar representa a troca. Aquela que se estabelece entre o nosso interior (eu) e o nosso exterior (os outros). Por isso, a metafísica da saúde nos diz que todos as enfermidades do sistema respiratório, nomeadamente pulmões dizem respeito a desequilíbrios nos relacionamentos.
Logo, quanto mais o ser se expressar na verdade do que realmente é, menos terá de recorrer a “inalações” de recurso para repor o equilíbrio perdido.
Importa contudo referir que não fazer cedência do que somos, não é insistir teimosamente em condutas e comportamentos que interferem na liberdade do outro. É, pelo contrário, ter em conta que o movimento, a mudança, a alquimia do ser são fundamentais num relacionamento, ao ponto de ditar sua continuidade ou seu fim, sua saúde ou doença. Nada que é estático prevalece. O relacionamento, se vivido no sentido evolutivo, favorece uma contínua metamorfose estimulada pelos reflexos que projectamos no outro. Logo, é fácil de imaginar a confusão que se instala quando começam as cedências, ou seja, quando tentamos projectar reflexos mascarados, diferentes da nossa verdade interior.
Fundamental é a honestidade. Honestidade para admitir o que nos faz sofrer, o que nos incomoda, o que nos faz acreditar que temos de nos afastar de nós mesmos para melhor chegar ao outro.
Voltando à planta: não há planta que cresça sem água, certo? E sabemos que quem fala de água fala de emoções. Pois, são todas essas emoções que os relacionamentos nos causam, boas e más, que nos servem para crescer. Elas são verdadeiros indicadores, lembretes de que há transmutação a fazer em situações particulares, logo, reprimi-las, bloqueia todo processo e intoxica a alma.
Então é crucial termos a real noção do quanto é importante a verdade no movimento que transforma a potência em acto neste processo?
Se crescemos e evoluímos à medida que deixamos aquilo que está dentro de nós sair e existir na sua honesta e fidedigna realização, sem ajustes, sem retoques e sem cedências, mas em profunda e constante transmutação, quanto mais formos transparentes e fiéis às Vontades que o nosso processo de crescimento exige, mais eficazmente e rapidamente nos expandiremos de encontro à realização em acto de nós mesmos e encontraremos um vislumbre de Unidade na dualidade do relacionamento.
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Os relacionamentos são sempre um tema que capta nossa atenção, não fossem eles tão importantes para uma vida plena e feliz.
Neste contexto, onde abundam as teorias e se multiplicam os falhanços práticos, frequentemente tenho ouvido que para que funcionem é fundamental aprender a fazer cedências.
Bem, não sei convosco, mas eu não podia estar mais em desacordo.
Explico porquê.
Estou em crer, se a memória não me atraiçoa, que era um tal de Aristóteles que falava dos conceitos de potência e acto. – De qualquer forma, se estiver a cometer alguma blasfémia filosófica, acredito que alguém terá a generosidade de me corrigir.-
Mas o que é que isso tem a ver com a questão dos relacionamento e das cedências?
Em primeiro lugar, importa esclarecer os conceitos. Considera-se acto a realização plena de algo que reside na virtualidade, ou seja, algo que está em potência. Assim como o fruto está em potência na semente.
No caso do ser humano, diz-se que na essência da singularidade que cada um é está a potência, logo na realização plena dessa potência está o acto. Então, quando formos em acto, a nossa essência, teremos realizado plenamente toda potencialidade contida em nós, assim como um fruto é a realização máxima que uma semente pode esperar.
Reforçando e continuando a analogia, podemos concluir que somos uma semente que vai crescendo, transformando-se numa plantinha com o objectivo último de um dia sofrer a última das metamorfoses e ser um belo e reluzente fruto. Na nossa essência estará, então, um ser completo, maduro e único.
Mas como lá chegar? Essa tem sido a grande questão. Como voltar à unidade? E, principalmente naquilo que é mais palpável, como nosso dia a dia, como encontrar o equilíbrio que subjaz essa unidade?
Pois bem, não discuto que os caminhos são muitos, mas vejo os relacionamentos como um meio privilegiado de progressão, crescimento e aprendizagem. E, pensem lá, não será à toa, que todos somos impelidos a relacionarmo-nos. Tem de ser porque é mais favorável aquilo que nos traz por cá todos: crescimento.
Na verdade, sabemos já que as relações nos proporcionam a possibilidade de, pelo espelho que o outro é de nós mesmos, melhorar, aprimorar, direcionar a nossa própria evolução.
Mas onde é que fica a questão das cedências?
Fazê-las ou não fazê-las em prole da saúde do relacionamento?
Considerando que cedências são dissociações entre nosso comportamento e nossa verdade interior, ou, dito de outra forma, é sentirmos uma coisa e fazer outra, pela expectativa de determinado resultado, parece me que fazê-las apenas atrasa um processo que, ao contrário, pela expressão da verdade de cada um, se torna muito mais rápido e eficaz. Isso porque as cedências têm sempre um prazo e principalmente um preço, que mais dia menos dia vai ser cobrado.
Posso comparar as cedências ao exercício de reter a respiração. Todos conseguimos fazê-lo, mas chegará um momento em que teremos de retomar a respiração, normalmente, numa inalação profunda e, no imediato, descoordenada, sob pena de nos auto-aniquilarmos. Constata-se assim que cada vez que isso acontece perdemos nosso equilíbrio. Naturalmente, que quanto mais for prolongado esse tempo sem respirar, maior será o desequilíbrio na recuperação do fôlego.
Entendam que esta não é uma analogia aleatória, pois o acto de respirar representa a troca. Aquela que se estabelece entre o nosso interior (eu) e o nosso exterior (os outros). Por isso, a metafísica da saúde nos diz que todos as enfermidades do sistema respiratório, nomeadamente pulmões dizem respeito a desequilíbrios nos relacionamentos.
Logo, quanto mais o ser se expressar na verdade do que realmente é, menos terá de recorrer a “inalações” de recurso para repor o equilíbrio perdido.
Importa contudo referir que não fazer cedência do que somos, não é insistir teimosamente em condutas e comportamentos que interferem na liberdade do outro. É, pelo contrário, ter em conta que o movimento, a mudança, a alquimia do ser são fundamentais num relacionamento, ao ponto de ditar sua continuidade ou seu fim, sua saúde ou doença. Nada que é estático prevalece. O relacionamento, se vivido no sentido evolutivo, favorece uma contínua metamorfose estimulada pelos reflexos que projectamos no outro. Logo, é fácil de imaginar a confusão que se instala quando começam as cedências, ou seja, quando tentamos projectar reflexos mascarados, diferentes da nossa verdade interior.
Fundamental é a honestidade. Honestidade para admitir o que nos faz sofrer, o que nos incomoda, o que nos faz acreditar que temos de nos afastar de nós mesmos para melhor chegar ao outro.
Voltando à planta: não há planta que cresça sem água, certo? E sabemos que quem fala de água fala de emoções. Pois, são todas essas emoções que os relacionamentos nos causam, boas e más, que nos servem para crescer. Elas são verdadeiros indicadores, lembretes de que há transmutação a fazer em situações particulares, logo, reprimi-las, bloqueia todo processo e intoxica a alma.
Então é crucial termos a real noção do quanto é importante a verdade no movimento que transforma a potência em acto neste processo?
Se crescemos e evoluímos à medida que deixamos aquilo que está dentro de nós sair e existir na sua honesta e fidedigna realização, sem ajustes, sem retoques e sem cedências, mas em profunda e constante transmutação, quanto mais formos transparentes e fiéis às Vontades que o nosso processo de crescimento exige, mais eficazmente e rapidamente nos expandiremos de encontro à realização em acto de nós mesmos e encontraremos um vislumbre de Unidade na dualidade do relacionamento.
Autor: Mónica Guimarães
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